(Por Dom Eduardo Maschietto)
Poucas cidades foram tão devoradas e recriadas pela história quanto Istambul.
Em Istanbul: A Tale of Three Cities, a historiadora Bettany Hughes transforma o antigo Bizâncio, a cristã Constantinopla e a muçulmana Istambul numa única entidade viva — uma alma que atravessa impérios, religiões e séculos.
Não é apenas um livro sobre arquitetura ou arqueologia; é um relato sobre o espírito humano em confronto com o tempo, um testemunho de como as civilizações morrem por dentro antes de serem conquistadas por fora.
Tal como observo em Declínio Moral, embora sob outro prisma, o verdadeiro colapso nunca é puramente político — é moral e espiritual. Hughes mostra isso sem precisar dizê-lo: cada vez que a cidade se afasta do sagrado, o império cai.
I. A Cidade e o Tempo
Logo no prefácio, Hughes descreve Istambul como um organismo vivo, “um diamante entre safiras e esmeraldas”, suspenso entre mares e continentes.
Fundada como Bizâncio por colonos gregos, tornada Nova Roma por Constantino, e renascida como capital otomana, a cidade é o nó onde o Oriente e o Ocidente se encontram — e se ferem.
A autora costura quase nove mil anos de história com olhar humano.
Fala dos trabalhadores anônimos que levantaram muralhas, das mulheres do harém imperial que influenciaram impérios, dos monges que salvaram textos da Antiguidade, e dos califas e cruzados que lutaram para possuir a “Cidade de Deus”.
Ela vê Istambul como um laboratório da humanidade, onde o poder e a fé se testam, onde o homem tenta, em vão, eternizar-se nas pedras.
II. A Ideia do Sagrado
Cada período da cidade nasce de uma promessa espiritual — e morre quando essa promessa se corrompe.
O Império Romano cristianiza-se, mas o Evangelho torna-se instrumento de poder.
O Império Bizantino se declara “cidade de Deus”, mas perde a alma na intriga e no luxo.
Os otomanos chegam proclamando pureza e disciplina, e terminam também vencidos pela decadência e pela vaidade.
A autora sugere que o coração da cidade nunca é destruído por inimigos externos, mas por seu próprio esquecimento.
Os templos mudam de nome, os deuses trocam de rosto — mas o vazio é o mesmo.
O que Hughes descreve é o movimento universal da história, em que a fé se torna formalidade, e o sentido dá lugar à sobrevivência.
III. O Valor do Livro
Bettany Hughes escreve com uma linguagem poética, quase litúrgica.
Seus parágrafos parecem escavar a pedra e revelar nela as vozes antigas.
Ela trata os impérios como camadas arqueológicas da alma humana — cada era é uma tentativa de se aproximar do divino, seguida de um novo exílio.
O resultado é um livro monumental, onde a história não é cronologia, mas drama moral.
Quem lê Istanbul compreende que a cidade é uma metáfora da própria humanidade:
sempre reconstruindo-se sobre ruínas, sempre tentando restaurar uma grandeza perdida, sempre tropeçando no mesmo orgulho.
IV. O Eco Contemporâneo
A história de Istambul não termina — apenas muda de idioma.
Hoje, suas mesquitas e arranha-céus convivem como ruínas e promessas de um novo império.
A autora encerra o livro com uma nota de esperança silenciosa:
o mundo pode esquecer suas raízes, mas as pedras lembram.
Elas testemunham que nenhuma civilização sobrevive se abandonar o sentido moral que lhe deu origem.
É esse mesmo lembrete que ressoa, em outra linguagem, nas páginas de Declínio Moral.
Se Hughes narra a decadência das civilizações vistas de fora, meu livro procura compreender o colapso moral que se instala dentro do homem — o mesmo eixo perdido que faz impérios ruírem e cidades se tornarem ruínas.
Conclusão
Istanbul: A Tale of Three Cities é uma meditação sobre a fragilidade da glória humana.
Um livro para quem deseja entender não apenas o passado, mas o destino espiritual das civilizações.
Porque, como Hughes e eu de modos diferentes afirmamos, nenhum império cai por falta de exércitos — ele cai quando abandona a verdade que o sustentava.
Leitura complementar:
Para quem deseja compreender como esse processo histórico se reflete no homem moderno, o livro Declínio Moral – Restaurando Valores Fundamentais em Tempos de Crise oferece a outra metade da reflexão:
a reconstrução do indivíduo como fundamento para qualquer renascimento coletivo.
🕯️ Ambos, em planos distintos, tratam do mesmo mistério: como restaurar o que é eterno em meio ao que se corrompe.
