A Quaresma é um tempo de silêncio, arrependimento e contemplação. Durante quarenta dias, a alma cristã é chamada a um recolhimento que não apenas a afasta das distrações do mundo, mas a conduz ao mistério mais profundo da existência: a morte e a ressurreição. É um período que nos ensina, através da renúncia e do jejum, que o corpo é passageiro, mas a alma busca a eternidade.

A lembrança da morte—memento mori—não é um pensamento mórbido, mas um convite à lucidez. A Igreja, na Quarta-feira de Cinzas, nos marca com a poeira da terra e nos recorda: “Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó voltarás.” Não há frase mais desafiadora para uma humanidade que se recusa a encarar sua finitude. Vivemos como se fôssemos eternos no corpo, adiando a reflexão sobre o destino final, acumulando bens como se fossem impedir a marcha do tempo. Mas a Quaresma nos obriga a olhar de frente para essa realidade.

No entanto, para o cristão, a morte não é o fim, mas uma travessia. A ressurreição de Cristo nos ensina que a morte não tem a última palavra, mas é o portal para algo maior. Isso não significa que ela não cause temor ou dor. O próprio Cristo, no Jardim do Getsêmani, suou sangue ao contemplar sua paixão. A morte é um mistério, mas um mistério que foi iluminado pela cruz.

A Quaresma, então, não nos chama apenas a lembrar da morte, mas a viver à luz da eternidade. O que significa isso? Significa entender que nossas ações não são neutras, que há um peso moral e espiritual em cada escolha. Significa que a vida, breve como a flor do campo, não deve ser desperdiçada em vaidades e orgulho, mas orientada para aquilo que é eterno: a caridade, a verdade, a humildade.

A renúncia quaresmal nos ensina que nada nos pertence verdadeiramente. O pão que deixamos de comer em jejum nos lembra de que a fome do espírito é maior que a fome do corpo. O tempo que dedicamos à oração nos recorda de que o mundo visível não é tudo o que existe. E a esmola nos faz reconhecer que nada do que temos é nosso, mas um dom que deve ser compartilhado.

Se a Quaresma é um caminho de purificação, a memória da morte é o farol que nos guia nele. Os santos compreenderam isso profundamente. São Francisco de Assis chamava a morte de “irmã”. Santo Agostinho nos aconselhava a viver cada dia como se fosse o último. A própria Igreja nos dá, neste período, a Via Sacra, para meditarmos sobre o Cristo que caminha ao Calvário, ensinando-nos que a dor pode ser redentora e que a cruz é o único caminho para a ressurreição.

A pergunta essencial da Quaresma não é apenas “O que devemos renunciar?”, mas “Para onde estamos indo?”. Se não vivemos com a consciência de que caminhamos para Deus, todo sacrifício se torna estéril, uma mera privação sem sentido. Mas quando entendemos que este mundo não é o nosso lar definitivo, que somos peregrinos a caminho da Pátria Celeste, então o jejum, a oração e a esmola se transformam em instrumentos de libertação.

Neste tempo santo, somos chamados a abandonar a ilusão da permanência e abraçar a realidade da eternidade. Pois aquele que morre para si mesmo encontrará a vida verdadeira.

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Lamentamos que este post não tenha sido útil para você!

Vamos melhorar este post!

Diga-nos, como podemos melhorar este post?